A Tessitura do Gesto
O verbo tecer possui diversos significados que não casualmente se encontram abraçados na poética de Juliana Maia. Do significado primeiro e literal de compor algo através da sobreposição de fios, entrelaçando-os na formação de um tecido único, ao figurado de compor de modo irreal, fazendo uso da imaginação.
Nessa que é sua primeira mostra individual, Juliana nos presenteia com a forma com que tece seus dias, através de gestos ora amplos, ora mínimos que condensam pensamentos e emoções nos atos de desenhar, escrever, cortar, fiar, costurar, rasgar, bordar... Assim como uma Penélope dos tempos modernos, seu gesto consiste num eterno fazer e desfazer, construindo a cada vez novos sentidos à matéria com a qual trabalha.
Em De Água Doce, por exemplo, Juliana destrói a folha de papel por completo,cortando-a em tiras finíssimas, uma a uma, para em seguida reconstruir essa superfície, promovendo o encontro entre duas materialidades distintas: papel e linha, de forma inusitada. Esse casamento permite ao papel uma maior maleabilidade, enquanto dá a linha uma base onde sustentar-se, gerando um certo equilíbrio, mas também uma dança delicada entre eles para se manterem unidos.
Em outro exercício de reinvenção, ao qual precisamos passar algumas vezes na vida, Juliana propõe uma catalogação de espaços de casas por onde passou e que nunca existiram. Nesse período recente, em que todos tivemos que ficar em nossas casas por tanto tempo, essa prática de renovar o olhar e recriar esses ambientes físicos, mas também olhar para esse corpo-casa que habitamos, tornou-se ainda mais inevitável e necessário.
Juliana também escreve cartas e nos comunica muito sem precisar usar palavras, afinal o “texto resulta de um trabalho de tecer, de entrelaçar várias partes menores a fim de se obter um todo inter-relacionado, uma rede de relações que garantem sua coesão, sua unidade. A palavra texto provém do latim "textum", que significa tecido, entrelaçamento”.
Há em suas obras uma forte alusão a passagem do tempo e a nossa busca em retê-lo de alguma forma. Aos artistas, foi designada essa difícil tarefa de armazenar fragmentos de memórias para que impregnados em suas obras, pudéssemos ser felizes na ilusão de termos conseguido apreender o tempo e guardá-lo conosco.
Como esse exercício de olhar, coletar, catalogar, trabalhar, refletir e ressignificar é diário, Juliana quis ainda compartilhar conosco parte desse rico processo de criação ao qual se debruça e que mais do que se referir a criação de uma obra, diz respeito a criação da própria vida e do modo com o qual habitamos e nos relacionamos com o mundo. Assim, se propôs a estar de corpo presente, em uma residência artística, desenvolvendo seu trabalho in locu, afetando e sendo afetada pelo público através dessa troca, tecendo novos trabalhos e relações.
Que possamos desfrutar desse gesto e estejamos abertos ao encontro que a arte nos impele.
- Bruna Pedrosa
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