Grotesco e ao mesmo tempo suave, respeitando o tempo de espera, a observação e os pequenos retoques. Por entre camadas e camadas de tinta óleo, o artista plástico Renato Valle construiu, ao longo de 40 anos, uma pintura bruta de dimensões variadas, em meio a uma trajetória de diária de reflexão, ressignificação e reconhecimento. A sua nova exposição A revisão da pintura entra em cartaz nesta quarta-feira (16), na Arte Plural Galeria (Rua da Moeda, 140, Bairro do Recife), reunindo 19 obras inéditas que revisitam sua linha de trabalho. A mostra encerra o calendário da galeria neste ano e segue aberta ao público até o dia 21 de dezembro. O vernissage para convidados será realizado nesta terça-feira (15). Na programação, também estão previstas oficinas de desenho e pintura com o artista.
Durante dois anos, o artista mergulhou em intenso processo criativo, que lhe é característico, conciliando a produção simultânea de cinco ou seis obras.“Muitas vezes estou dormindo, levanto para beber água e acabo voltando para corrigir um ou outro detalhe que deixei passar. Meu descanso de um trabalho é produzir outra tela”, diz Valle. Apesar de todas as obras terem sido desenvolvidas exclusivamente para a mostra, elas parecem familiares por retratarem o que o pintor considera melhor resolvido em suas pesquisas e experimentações artísticas.
“A pintura foi o caminho que encontrei para traduzir minhas inquietações e dar conta desse universo que me cerca, então os temas são recorrentes, principalmente a religião, a política e a infância. É normal na rotina artística passar um tempo abordando algumas temáticas e depois de um tempo voltar a visitá-las”, ref lete. O texto crítico da mostra é de responsabilidade da professora e artista Bete Gouveia, que destaca o caráter religioso e humanístico das obras de Valle, além de lançar um olhar sobre o processo de escolha e idealização do acervo exposto.
“Apesar de não se tratar de uma mostra retrospectiva, ao observar essa série é impossível não perceber esse sentimento nostálgico, sobretudo quando identificamos o resgate de algumas séries já realizadas no pa ssado. Mais do que uma releitura ou continuidade, no entanto, essa série mostra como Renato se debruçou com um novo olhar e percepção, mais maduros e seguros, evidentemente construídos e modificados ao longo do tempo”, explica.
Para o artista, o que diferencia o seu trabalho ao longo dos anos é a abordagem. “Eu decidi fazer uma série de pinturas que fossem resultado de reflexões a respeito da minha trajetória. Sou privilegiado, trabalho há 40 anos com o que sempre quis e é muito bom poder visitar as minhas memórias”, afirma o pintor de 60 anos de idade. Sobre a rotina e os processos de construção de suas obras, Valle destaca: “Eu tenho a necessidade de conhecer o processo, é uma demanda minha antes de transportar para o papel. Acho que sou monástico”, reflete.
As peças trazem temáticas e técnicas consagradas do pintor, entre elas Natureza morta, um políptico composto por quatro telas, e Cristão e anticristão, formado por 12 telas e discursos maniqueístas. Logo na entrada da exposição o visitante vê O retrato do que ele é, apresentado em quatro partes, expõe quatro diferentes ângulos do retrato de uma mesma pessoa, como um despir completo do objeto representado.
Com técnicas de luminosidade e sombras, Valle busca destacar em suas obras o personagem central da pintura, como é evidente em Solaris e Ex-voto, grandes imagens ao centro e uma enorme tela ao fundo de uma só cor, convergindo para o centro em tons mais claros. O primeiro traz um bebê e seus traços corpóreos bem definidos, a infância sendo relembrada em alusão ao filme Solaris, de Tarkovski. Em Ex-voto, o artista recorda o objeto sacro homônimo que homenageia o presente dado pelo fiel ao seu santo de devoção em agradecimento a uma promessa, com um corpo em proporções contrastantes buscando ressaltar partes que estavam adoecidas e foram curadas.
O trio de quadros independentes Bebê pitu, Bebê ex-voto e O que não se vê trabalha a ideia de um mesmo bebê em três perspectivas. Individualmente, cada obra constrói uma narrativa estética, a primeira como encarte dos anos 1960, a segunda mais sóbria, em tons neutros e a última vista de baixo para cima. Na mesma ideia, Mealheiro é apresentado em duas telas, tendo uma cruz como objeto que guarda dinheiro: de um lado uma nota de R$ 2 e no outro uma de R$ 100. Com isso, Valle faz uma crítica ao que ele chama de exploração da fé. Sempre mesclando as imagens religiosas com as deformidades do corpo humano, o pintor traz em Oratório a escolha provocativa de um mamão ocupando posição central do objeto religioso.
Na tela Máquina de fazer fumaça, o artista resgata a influência de trabalhos anteriores realizados com ladrilhos e pisos coloridos. Em outro cenário, os quadros Clausura, Arrogância e Inércia, juntos, apresentam a forma desproporcional como representante da essência do ser, ressaltando recolhimento, sofisticação e poder. Já Sex traz um corpo igualmente disforme, mas que aposta na sensualidade de uma mulher em posição provocante na cama.
Por: Juliana Aguiar